A questão se torna mais complexa considerando que o processo de formação do cirurgião geral tem se modificado de forma significativa nas últimas décadas. O aumento no número de escolas médicas, a criação de novas especialidades cirúrgicas e a adoção de novas tecnologias, em especial, da videocirurgia, induziram especificidades adicionais ao treinamento cirúrgico. Em 1987, em Lyon na França, a colecistectomia de Philippe Mouret estabeleceu as condições que propiciaram o surgimento da cirurgia por videolaparoscopia e sua rápida expansão. A técnica alcançou o status de “padrão-ouro” para o tratamento das doenças benignas da vesícula biliar. Procedimento cirúrgico básico no treinamento do médico residente em cirurgia, a colecistectomia assim como apendicectomias e herniorrafias da parede abdominal, tradicionalmente oferecem ampla oportunidade para que desenvolvam habilidades operatórias em estágio relativamente precoce de suas carreiras. No entanto, na era da videocirurgia, o aprendizado psicomotor não deve e não pode ser desenvolvido diretamente no paciente. A simulação, seja em modelos orgânicos, inorgânicos ou virtuais, deve anteceder a fase de treinamento em campo cirúrgico em humanos, pois o cirurgião tem que se adaptar a um ambiente de trabalho completamente diverso daquele da cirurgia aberta. De qualquer maneira, mesmo com avanços na área da simulação, não há substituto para o ensino prático em campo cirúrgico.
Publicação recente na Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, intitulada Laparoscopic cholecystectomy performed by general surgery residents. Is it safe? How much does it cost?, assinada por cirurgiões do Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo, analisa a segurança e o custo da colecistectomia videolaparoscópica realizada por médicos residentes. Os autores, Sousa JHB, Tustumi F, Steinman M, Santos OFPD, realizaram um estudo de corte retrospectivo envolvendo pacientes submetidos à colecistectomia videolaparoscópica eletiva em um hospital escola de grande volume cirúrgico. A instituição escolhida foi o Hospital Municipal Vila Santa Catarina (São Paulo, SP), que analisou entre 2018 e 2019, 1035 colecistectomias por videolaparoscopia. Os casos foram divididos em três grupos baseados na graduação do cirurgião principal no momento do procedimento: residentes do primeiro ano (R1), residentes do segundo ano (R2), e cirurgiões especialistas em cirurgia do aparelho digestivo com experiência de, no mínimo, cinco anos em videolaparoscopia. Os residentes sempre foram auxiliados pelos cirurgiões já formados e, em situações de não progressão do ato operatório, por dificuldades técnicas ou intrínsecas ao caso, ocorreu inversão dos papéis no campo operatório, sendo esses eventos contabilizados. No grupo em que as operações foram realizadas pelo cirurgião sênior, esse foi auxiliado por outro cirurgião experiente. Os pacientes foram acompanhados por pelo menos um mês. Os desfechos principais analisados foram custo total de tratamento por paciente, complicações intraoperatórios e em até 30 dias, tempo cirúrgico, conversões para cirurgia aberta, reoperações e tempo de internação hospitalar.
Referências:
1. Sousa JHB, Tustumi F, Steinman M, Santos OFPD. Laparoscopic cholecystectomy performed by general surgery residents. Is it safe? How much does it cost? Rev Col Bras Cir. 2021 May 17;48:e20202907. English, Portuguese.
2. Nácul MP, Cavazzola LT, de Melo MC. Current status of residency training in laparoscopic surgery in Brazil: a critical review. Arq Bras Cir Dig. 2015; 28(1):81-5.