Em agosto de 2021, Steven Strasberg, Professor de Cirurgia da Escola de Medicina da Universidade de Washington em Saint Louis, Missouri, aposentou-se após uma carreira cirúrgica de 50 anos. Strasberg liderou o Serviço de cirurgia hepatobilio-pancreática da Universidade de Washington de 1992 a 2007.
O grande legado de Strasberg, todavia, foi a proposição e o desenvolvimento do método da “visão crítica de segurança” para identificar estruturas anatômicas durante uma colecistectomia. Esta tática aumenta a segurança do paciente, permitindo que os cirurgiões identifiquem mais claramente o ducto cístico e a artéria cística antes das suas secções. Este método tem sido adotado internacionalmente por cirurgiões e endossado por inúmeras sociedades cirúrgicas. A “visão crítica de segurança” levou o Professor Strasberg a receber o prestigioso “Medallion for the Advancement of Surgical Care” da American Surgical Association em 2018.
O surgimento da colecistectomia videolaparoscópica 1987 foi um “ponto de não retorno”, uma quebra de paradigmas na história da cirurgia que pavimentou o caminho para a era da cirurgia minimamente invasiva. No entanto, inicialmente a colecistectomia videolaparoscópica foi associada a um aumento significativo na incidência de lesões das vias biliares. Apesar do avanço técnico e tecnológico da videocirurgia, as lesões de vias biliares durante colecistectomias continuam a ser um problema importante hoje, embora sua verdadeira incidência seja desconhecida. A causa mais comum de lesão biliar grave é a identificação anatômica incorreta. Geralmente, o ducto biliar comum é confundido com o ducto cístico e, menos comumente, um ducto aberrante é erroneamente identificado como ducto cístico. Em 1995, Strasberg descreveu e introduziu um método de identificação das estruturas do pedículo biliar referido como a “visão crítica de segurança” (CVS). Desde então, este método tem sido disseminado e incorporado por cirurgiões em todo o mundo para a realização de uma colecistectomia videolaparoscópica
A tática da CVS apresenta três princípios básicos:
1 - O triângulo de Calot deve ser limpo de gordura e tecido fibroso. Porém, não requer que o ducto biliar comum seja exposto.
2 - A parte inferior da vesícula biliar deve ser separada do leito hepático (superfície fibrosa plana à qual o lado não peritonializado da vesícula biliar está ligado).
3 - Duas estruturas, e apenas duas, devem ser vistas entrando na vesícula biliar: ducto cístico e artéria cística!
Uma vez cumpridos estes três critérios, a CVS foi atingida e as estruturas do pedículo biliar podem ser divididas.
A CVS não é uma técnica de dissecção, mas sim uma técnica de identificação. Como tal, está relacionada a métodos de identificação segura em outros aspectos da vida como na aviação civil, por exemplo. Os pilotos identificam as pistas de aterrissagem piscando as luzes de aproximação, através das luzes da pista, comunicação de rádio e, mais recentemente, por geolocalização digital. Essas salvaguardas referenciam critérios de identificação e não mecânicas de vôo. Da mesma forma, é importante que o cirurgião separe a dissecção e a identificação em sua mente. A dissecção é temporalmente linear, mas a identificação é temporalmente estática. A dissecção revela a CVS, mas a afirmação de que a CVS foi alcançada ocorre em um momento em que não há dissecção. A afirmação da CVS deve ocorrer em uma pausa no procedimento cirúrgico, como um segundo “time-out”. A CVS deve ser demonstrada claramente e, idealmente, o cirurgião e o seu assistente devem concordar que ela foi alcançada, assim como piloto e co-piloto concordam em pontos críticos de identificação ao pilotarem um avião.
Não há evidência de nível I de que a CVS reduza a incidência de lesão do ducto biliar durante colecistectomias videolaparoscópicas. No entanto, estudos como os de Yegiyants e colaboradores (Yegiyants S, Collins JC, Yegiyants S, Collins JC. Operative strategy can reduce the incidence of major bile duct injury in laparoscopic cholecystectomy. Am Surg 2008;74:985-957) e Avgerinos e colaboradores (Avgerinos C, Kelgiorgi D, Touloumis Z, et al. One thousand laparoscopic cholecystectomies in a single surgical unit using the “critical view of safety” technique. J Gastrointest Surg 2009;13:498– 503) demonstraram, em grandes séries de casos, a eficiência da tática da CVS, com taxas de lesão biliar durante colecistectomias muito inferiores às esperadas.
Iniciativas de melhores práticas como a CVS têm grande importância social. Recentemente, como parte do programa “Safe Cholecystectomy” da Society of American Gastrointestinal and Endoscopic Surgeons (SAGES), a CVS foi destacado como uma componente chave para a redução de lesões de vias biliares durante colecistectomias videolaparoscópicas. Programas como este fornecem suporte adicional para a disseminação e expansão do método como política a ser necessariamente implementada em Serviços de Cirurgia.
Poucas pessoas tiveram o impacto que Steve Strasberg teve na sua área de atuação. Excelente professor e modelo para as próximas gerações de cirurgiões hepato-bilio- pancreáticos, Strasberg deixa um legado que favoreceu os milhões de pacientes submetidos anualmente a colecistectomias em todo ano no mundo, permitindo aos cirurgiões realizarem um procedimento cirúrgico não somente minimamente invasivo e eficaz, mas também seguro.
Referências 1 - Strasberg SM, Brunt LM. Rationale and use of the critical view of safety in laparoscopic cholecystectomy. J Am Coll Surg. 2010 Jul;211(1):132-8. 2 - https://surgery.wustl.edu/tag/steven-strasberg/