por Prof. Dr. Miguel Nácul
O estudo de eventos adversos e complicações é fundamental para o desenvolvimento da prática médica de forma geral, sendo tema central de reuniões científicas e publicações técnicas e leigas. As características e peculiaridades do mundo da cirurgia tornam a abordagem da questão ainda mais importante, com lugar de destaque no treinamento dos cirurgiões. É através do conhecimento das complicações de um determinado procedimento cirúrgico que podemos evitá-la, diagnosticá-la ou tratá-la adequadamente. Devemos lembrar, todavia, que as complicações são inerentes a qualquer procedimento cirúrgico. Só não as tem quem não opera!
Quando estudamos o tema focado em procedimentos minimamente invasivos, em especial videocirurgia, devemos lembrar que este método envolve as questões ergonômicas de um procedimento tecnológico-dependente e o estudo do pneumoperitônio.
Podemos classificar de forma didática as complicações em videocirurgia em:
1.Sistêmicas – anestésicas e as relacionadas ao pneumoperitônio de CO2;
2.Abdominais - de parede abdominal (de acesso) ou profundas;
3.Extra-abdominais;
4.Relacionadas ao uso de formas de energia para fins de coagulação ou corte, em especial a eletrocirurgia.
É importante salientar que a melhor maneira de enfrentar as complicações em cirurgia videolaparoscópica é através da PREVENÇÃO!
1.Complicações Sistêmicas
Normalmente relacionadas ao procedimento anestésico, o qual apresenta complicações comuns a qualquer procedimento anestésico-cirúrgico e específicas à videocirurgia. As complicações anestésicas específicas da videocirurgia estão, em geral, relacionadas ao pneumoperitônio de CO2 e suas importantes repercussões metabólicas. As mais referidas na literatura são:
- Hipertensão intracraniana/intraocular.
- Intubação brônquica.
- Aspiração do conteúdo gástrico.
- Arritmia cardíaca.
- Enfisema subcutâneo.
- Pneumo-mediastino; Pneumotórax; Pneumo-pericárdio.
- Embolia gasosa.
- Náuseas & vômitos.
- Dor pós-operatória.
Prevenção:
- Conhecimento das alterações metabólicas do pneumoperitônio.
- Alto índice de suspeição.
- Monitorização adequada do paciente.
- Técnica anestésica adequada.
- Sondagem nasogástrica.
- Adequado controle da dor e das náuseas & vômitos pós-operatórios.
- Relação estreita cirurgião/anestesista.
2.Complicações Abdominais
As complicações de parede abdominal estão relacionadas ao acesso e podem ser classificadas de diferentes formas. Destaco duas:
Complicações de Parede Abdominal:
Podem ser secundárias à punção com agulha de Veress, à inserção do primeiro trocarte, dos demais trocartes, à manipulação dos trocartes e a retirada deles. Podem gerar hemorragia local, lesão visceral de vísceras ocas ou maciças e lesão vascular de vasos intraperitoneais ou do retroperitônio.
Lesões de parede abdominal são as mais frequentes, em geral sufusões hemorrágicas da parede abdominal, pouco relevantes e de mais simples resolução. Já as lesões viscerais podem acometer a maior parte dos órgãos abdominais. Os órgãos mais afetados são intestino delgado e fígado. A incidência da complicação é muito baixa (estudos históricos mostram 0,6 por 1000). Porém, a incidência de conversão para cirurgia aberta devido a esta complicação é de cerca de 65%, com alta morbimortalidade se não visualizada durante o procedimento. As lesões vasculares são normalmente muito graves, porém muito infrequentes com alta necessidade de conversão e mortalidade. A maior parte das lesões decorre da colocação do primeiro trocarte, responsável por cerca de 83% das lesões vasculares, 75% das lesões viscerais e 50% das hemorragias locais de punção.
Para as lesões causadas pela colocação ou retirada dos trocartes os fatores de risco mais importantes são a experiência do cirurgião que é muito importante nas lesões vasculares, relativamente importante nas lesões viscerais e pouco importante nas hemorragias nos locais de punção. Não parece haver relação dos acidentes com o fato do trocarte ser descartável ou permanente, ou seja, a presença do mecanismo de retração é menos importante do que a adequada técnica de punção e o respeito às contraindicações à técnica de acesso fechada (laparotomias prévias, distensão abdominal, etc.). A hemorragia local de punção é mais frequente com trocartes de ponta piramidal cortante do que com os de ponta cônica. Como cerca de 90% dos acidentes graves ocorrem na primeira punção, uma opção para a prevenção de lesões de punção é a realização de punção aberta (sob visão direta) de forma sistemática.
Prevenção:
- Conhecer o trocarte.
- Uso correto do trocarte.
- Uso do trocarte correto.
- Trans iluminação da parede.
- Primeira punção aberta quando indicada.
- Fazer as punções acessórias. Sempre sob visão direta.
- Evitar excesso de manipulação dos trocartes.
- Retirada sob visão direta.
Complicações Profundas:
São as que acontecem durante o procedimento cirúrgico e são específicas de cada técnica, estudadas separadamente, por exemplo, complicações de colecistectomia, hernioplastias inguinais, da cirurgia de refluxo gastro-esofágico etc.
Prevenção:
“As complicações em Cirurgia Videolaparoscópica são causadas por resultado direto de técnica operatória deficiente ou relacionadas a não identificação anatômica”.
Eddie Joe Reddick, MD, FACS (Nashville, Tennessee).
Assim, a boa técnica operatória e o conhecimento anatômico adequado são fundamentais.
3.Complicações Extra-Abdominais
- Infecção do trato urinário.
- Infecção respiratória.
- Trombose venosa profunda.
- Lesões por mal posicionamento do paciente na mesa cirúrgica.
Prevenção:
- Antibioticoprofilaxia.
- Prevenção da trombose venosa profunda.
- Posicionamento adequado do paciente na mesa cirúrgica - cuidar quando utilizar perneiras.
- Utilização adequada de sondas e cateteres.
- Fisioterapia respiratória.
4.Complicações do Uso de Energias
- Falha de isolamento.
- Contato capacitivo.
- Contato direto.
- Geração de calor excessivo regional
- Falha de equipamento.
- Problemas com eletrodo de retorno (placa) em eletrocirurgia monopolar
Prevenção:
- Conhecer os princípios da eletrocirurgia e como prevenir as complicações relacionadas a ela.
- Conhecer seu gerador de eletro-cirurgia.
- Utilizar apenas gerador de alto-padrão.
- Inspecionar periodicamente o isolamento do material.
- Evitar contato metal/metal.
- Somente ativar o eletrodo em contato com o tecido.
- Usar material todo de metal ou todo de plástico.
- Usar a menor corrente para conseguir o efeito desejado.
- Preferir o uso do sistema bipolar ao monopolar.
Conclusão
Os fatores fundamentais na prevenção das complicações em videocirurgia são a adequada formação e treinamento, a experiência do cirurgião, a estruturação da equipe cirúrgica, equipamento e instrumental de alto padrão e ter e manter normas rígidas de segurança.
A atitude do cirurgião perante a complicação é também fundamental. O cirurgião deve conhecer as complicações e saber como tratá-las. Deve manter alto índice de suspeição de complicação e corrigir imediatamente por via laparoscópica ou laparotômica a complicação.
A complicação faz parte do “teatro cirúrgico” e acompanha a prática cirúrgica. Conversão não é complicação. Reoperação é que é complicação. A conversão faz parte do contexto cirúrgico, reoperação não! Evidentemente que o cirurgião não deve converter por pouca coisa, mas não deve deixar de converter quando avalie necessário, para que não precise reoperar depois. Formação adequada baseada em treinamento qualificado e com uso de simulação cirúrgica aplicada de forma correta, competente e avaliada é chave!
Mas, lembrem-se que a PREVENÇÃO É A MELHOR SOLUÇÃO!
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