Passo a Passo
PARTE 2/2 (Confira a parte 1 aqui)
INTRODUÇÃO
O grande sucesso da colecistectomia por videolaparoscopia impulsionou, a partir da década de 1990, o desenvolvimento das técnicas minimamente invasivas vídeo endoscópicas para o tratamento das hérnias inguinais: técnicas vídeo-endoscópicas transperitoneal (TAPP) e totalmente extraperitoneal (TEP).
O domínio da anatomia vídeo-endoscópica e o conhecimento dos passos da técnica operatória formam a base de conhecimento necessário para a realização de um treinamento inicialmente baseado em simulação e o início da prática em pacientes com o auxílio de um tutor.
INDICAÇÕES
Utilizando a Classificação de Nyhus (Nyhus, L: Complications of groin hérnia repair. Audio Digest Gen Surgery 39:9, 1991), indicamos a cirurgia minimamente invasiva para hérnias da região inguino-crural, tanto unilaterais como bilaterais:
· Tipo 2 (indireta, com dilatação anel interno, mas sem fraqueza da parede posterior.
· Tipo 3 A (direta).
· Tipo 3 B (indireta, com dilatação anel interno e fraqueza da parede posterior).
· Tipo 3 C (femoral).
· Tipo 4 (recidivadas).
Existem vantagens ainda mais evidentes nas hérnias Inguinais bilaterais e nas hérnias recidivadas pós-hernioplastias por via anterior.
Minha preferência é pela técnica TEP exceto em hérnias inguino-escrotais ou recidivas de técnicas pré-peritoneais ou pós prostatectomias radicais. Nesses casos opto por técnica TAPP, preferencialmente com o uso de plataforma robótica.
CONTRA-INDICACÕES
Muitas das situações clínicas antigamente consideradas contra-indicações, se constituem hoje em indicações “padrão-ouro” para a abordagem vídeo-endoscópica. Atualmente, é possível afirmar que se um procedimento não deve ser realizado por videolaparoscopia, provavelmente não deverá ser feito por qualquer outra técnica.
No entanto existem contra-indicações absolutas ou relativas como: estados hipercinéticos, hipertensão intracraniana, sepse, insuficiência cardíaca ou respiratória descompensada, contra-indicação à anestesia geral, terceiro trimestre de gestação, coagulopatias, cirrose hepática.
LIMITAÇÕES
· Idade acima de 90 anos.
· Hérnias recidivadas pós-hernioplastia vídeo-endoscópicas*.
· Cirurgia pélvica prévia, em especial se aberta e complexa*.
· Radioterapia prévia em região pélvica*.
* Ferramenta robótica auxilia muito o sucesso em realizar a correção cirúrgica por técnica minimamente invasiva nessas situações.
EQUIPAMENTO
Equipamento padrão para videolaparoscopia.
INSTRUMENTAL
Mesmos instrumentais para demais procedimentos realizados por videolaparoscopia, com peculiaridades:
· Ótica de visão lateral (30 ou 45 graus) é bem importante.
· Utilizamos um trocarte de 10 mm para a ótica e para introduzir a tela dentro da cavidade e dois trocartes de 5 mm. Na técnica TEP sem fixação da tela, a utilização de instrumental de 3 mm facilita a visualização em um espaço de trabalho limitado. Lembrar que caso se opte pela fixação da tela com grampeadores, esses têm entre 5 e 5,5 mm.
· Porta-agulha somente é utilizado quando o fechamento peritoneal (em especial na técnica TAPP) for realizado com sutura.
· Pinça bipolar é muito útil em sangramentos como, por exemplo, da artéria epigástrica inferior.
· Em geral, prefiro telas de alta gramatura e macroporosa. Tamanho mínimo de 15 por 12 cm. Telas anatômicas pré moldadas são interessantes para a técnica TEP onde, devido ao e espaço mais limitado, o posicionamento da tela é um pouco mais complicado.
· Existem vários grampeadores para fixação da tela no mercado, com grampos helicoidais ou similares absorvíveis ou inabsorvíveis. Todos são adequados para o uso quando indicados. Minha tendência é fixar em TAPP e não fixar em TEP. Defeitos herniários maiores que 3 cm devem ser sempre fixados. Cola é uma boa opção para fixação e pode também ser utilizada para o fechamento peritoneal. Pontos para fixação da tela são pouco práticos e pouco utilizados em videocirurgia.
· Balão dissector facilita a dissecção na técnica TEP.
· Afastadores tipo Farabeuf são importantes para o acesso sob visão direta ao espaço preperitoneal.
TÉCNICA CIRÚRGICA
Rotinas de preparação do campo operatório:
· Esvaziar bem a bexiga logo antes da cirurgia!
· Prender o paciente na mesa cirúrgica.
· Anestesia geral com entubação endo-traqueal.
· Degermação da pele do campo operatório com clorexidina em solução degermante e antissepsia da pele do campo operatório com clorexidina alcoólica.
· Colocação de campos cirúrgicos.
· Conexão dos cabos e sistemas.
· Infiltração da região dos portais com marcaína 0,5% com adrenalina ou ropivacaína 0,75 %.
Etapas do procedimento cirúrgico
Técnica Trans-Peritoneal (TAPP):
1. Punção da parede abdominal com agulha de Verres com colocação desta dentro da cavidade peritoneal (exceto quando se optar por acesso com visão direta).
2. Início da insuflação com CO2 com baixo fluxo até alcançar a pressão intraperitoneal desejada (normalmente 14mmHg).
3. Colocação de trocarte de 10 mm com início do procedimento videolaparoscópico.
4. Posição dos Trocartes, equipamento e equipe cirúrgica.
5. Abertura transversal do peritônio da região inguinal em posição alta. A abertura vai do ligamento umbilical (medialmente) até cerca de três centímetros lateral ao anel inguinal interno próximo a espinha ilíaca ântero-superior do lado da hérnia.
6. Confecção de amplos retalhos (“flaps”) peritoneais, especialmente o inferior, com identificação estruturas anatômicas: Púbis, Ligamento de Cooper, elementos do cordão espermático (Ligamento Redondo nas mulheres), Vasos Ilíacos Externos, Anel Inguinal Interno e Vasos Epigástricos Inferiores, além do defeito herniário. Iniciar a dissecção na zona 1 (lateral), depois na zona 2 (medial) e por fim na zona 3 (central).
Arq Bras Cir Dig. 2019 Feb 7;32(1):e1426.
7. Dissecção do saco herniário com redução completa deste ou secção (em hérnias indiretas ínguino-escrotais). A secção precoce (abandono do saco) em hérnias indiretas grandes é sugerida, facilitando o procedimento cirúrgico e diminuindo a incidências de eventos em cordão espermático e testicular.
8. Colocação de tela com cobertura ampla do defeito herniário além da região de eventuais defeitos diretos/indiretos ou femorais, com cobertura completa do espaço miopectíneo de Fruchaud.
9. Fixação da tela com grampeamento em junção Púbis/Ligamento de Cooper, Ligamento de Cooper e parte superior da Tela na parede inguinal. Nunca grampear abaixo do púbis ou do trato ílio-púbico!
10. Fechamento dos retalhos peritoneais com sutura contínua com fio de polidiaxona 3-0 (neste caso, fazer fechamento hermético).
11. Desinsuflação da cavidade peritoneal sob visão direta para verificação da aposição da tela.
12. Fechamento dos portais, incluindo a aponeurose no de 10 mm.
Técnica Extra-Peritoneal (TEP):
1. Acesso direto ao espaço extraperitoneal após dissecção deste com ajuda (ou não) de balão dissector. Utilizar pressão de insuflação em torno de 14 mm Hg.
2. Colocação dos portais.
3. Dissecção do espaço extraperitoneal com identificação estruturas anatômicas: Púbis, Ligamento de Cooper, elementos do cordão espermático (Ligamento Redondo nas mulheres), Vasos Ilíacos Externos, Anel Inguinal Interno e Vasos Epigástricos Inferiores, além do defeito herniário. Iniciar a dissecção na zona 2 (medial), facilitada pela pré-dissecção com balão, depois na zona 1 (lateral), entrando abaixo dos vasos epigástricos inferiores e por fim na zona 3 (central). Ver figura 4.
4. Colocação de tela com cobertura ampla do defeito herniário além da região de eventuais defeitos diretos/indiretos ou femorais, com cobertura completa do espaço miopectíneo de Fruchaud. Na TEP não fixamos a tela.
5. Desinsuflação da cavidade pré- peritoneal sob visão direta para verificação da aposição da tela.
6. Fechamento portais, incluindo a aponeurose no de 10 mm.
CRITÉRIOS DE CONVERSÃO (TROCA DE TÉCNICA)
· Repercussão clínica sistêmica do pneumoperitônio (ou pré-pneumoperitônio) que impossibilite a continuação do procedimento por videolaparoscopia.
· Sangramento não controlável por videolaparoscopia.
· Aderências ou processo inflamatório intenso que impossibilite o acesso ao espaço pré-peritoneal.
· Dificuldade de identificação da anatomia da região.
· Lesões cirúrgicas acidentais não controláveis por videolaparoscopia.
ORIENTAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS
· Alta Hospitalar quando bem recuperado do ponto-de-vista anestésico – Cirurgia Ambulatorial.
· Dieta branda no dia da alta, dieta normal a partir do próximo dia.
· Atividades leves no dia da alta hospitalar. Atividades normais a partir do próximo dia.
· Restrições físicas:
- Dirigir veículos automotores – 05 dias.
- Caminhadas: de 7 a 10 dias.
- Atividades físicas de alta intensidade: de 15 a 30 dias.
· Analgésicos se necessário.
· Acompanhamento ambulatorial atento.
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