Por Dr. Miguel Nácul
Cada profissional trilha o seu próprio caminho após a sua formação inicial, sendo este caminho, muitas vezes, completamente diferente daquele previamente projetado.
Graduei-me Médico em 1988 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segui minha formação cursando Residência Médica em Cirurgia Geral no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) de 1989 a 1991. Durante este período não tive oportunidade de acompanhar procedimentos por videolaparoscopia, técnica que aterrissou em terras gaúchas apenas em 1991. Após o período de Residência segui para trabalhar como Médico militar temporário no Hospital Geral de Porto Alegre (HGPA), atualmente denominado “Hospital Militar de Área de Porto Alegre”. Ao mesmo tempo, permaneci vinculado ao Grupo de Cirurgia de Esôfago do Serviço de Cirurgia Geral do HCPA, coordenado pelo Prof. Dr. Loreno Brentano, preparando o meu mestrado nesta área. No HGPA tive oportunidade de acompanhar algumas laparoscopias simples (sem vídeocâmera) para diagnóstico de doenças hepáticas e oncológicas. No HCPA acompanhei as primeiras colecistectomias videolaparoscópicas do hospital.
Neste momento compreendi a necessidade de buscar uma robusta formação em videolaparoscopia e como um treinamento de alta qualidade me possibilitaria ampliar as indicações da videolaparoscopia para o tratamento de outras doenças, o que já vinha sendo realizada por múltiplos cirurgiões ao redor do mundo.
Analisando retrospectivamente, quatro eventos/situações foram fundamentais para o meu direcionamento à videolaparoscopia.
Em uma tarde durante o meu último ano de residência médica no HCPA, descia no elevador com um dos meus professores, Dr. Alceu Migliavacca que comentou, com certo espanto, sobre um artigo científico recém lido: um “novo” método cirúrgico era descrito: a videolaparoscopia. O método permitia ao cirurgião enxergar muito melhor os órgãos abdominais, disse o professor Alceu. Surpreso, perguntei se isso era realmente verdadeiro. Convicto, o professor me respondeu que com o uso de uma videocamera e iluminação de xênon, a visualização da cavidade abdominal era mais clara e com imagem aumentada e detalhada. Aquela informação ficou na minha mente, tanto que até hoje lembro muito bem daquele diálogo.
A laparoscopia clássica, realizada com tecnologia muito limitada, sem videocâmera, sem insuflador de CO2 e com uma iluminação limitada possuía aplicações restritas. Durante uma laparoscopia no HGPA em 1992 em uma paciente idosa com suspeita de carcinomatose peritoneal por câncer de ovário, tive dificuldade com a insuflação de CO2 (realizada diretamente do tubo do gás para a paciente). Com pouca experiência no método e paciência restrita, em vez de tentar resolver o problema, optei por abortar a laparoscopia e converter para uma laparotomia exploradora, procedimento muito mais invasivo. A laparotomia serviu apenas para constatar uma extensa carcinomatose peritoneal e realizar uma simples biopsia peritoneal, procedimento que poderia ter sido, tranquilamente, feito por técnica minimamente invasiva. No primeiro dia pós-operatório, a paciente, idosa e com um câncer avançado, complicou e veio a falecer. Aprendi ali, da forma mais dura possível, a diferença do trauma causado por uma cirurgia aberta em relação a uma laparoscópica.
1993 foi o ano da realização do primeiro Simpósio Internacional de Cirurgia Videolaparoscópica em Porto Alegre, RS com a participação de diversos cirurgiões estrangeiros. Tive a oportunidade de participar do evento realizado no centro de eventos do Hotel Plaza São Rafael. As apresentações, debates e cirurgias ao vivo me descortinaram um mundo novo expresso ´por uma tecnologia e técnica que revolucionaria a cirurgia mundial.
No ano de 1994, tive a oportunidade de trabalhar em um já decadente Hospital Lazzarotto (que fecharia suas portas poucos anos depois) onde conheci o Dr. Roberto Koch, um dos pioneiros da videolaparoscopia gaucha, que me convidou a auxiliá-lo. Mesmo em uma fase insipiente do desenvolvimento da videolaparoscopia e operando com equipamentos e instrumentais bem limitados, esta experiência me proporcionou uma formação e experiência iniciais em videolaparoscopia, completada com a realização de um curso de videolaparoscopia em 1994 no Hospital Jaraguá em São Paulo com o Prof. Dr. Thomaz Szego, autor da primeira colecistectomia por videolaparoscopia (Hospital Albert Einstein, SP em julho de 1990). Tudo isto me estimulou a investir em melhores equipamentos e em um projeto de ensino baseado em simulação com a criação do primeiro curso de extensão em videolaparoscopia do país em 1996 (no Hospital Parque Belém). Reconhecido e premiado nos anos 2000 pela Sociedade Brasileira de Videocirurgia (SOBRACIL), a experiência gerou o consagrado Curso de Pós-Graduação em Cirurgia Minimamente Invasiva do Hospital Moinhos de Vento em 2008.
A medicina incorpora muito lentamente novos conhecimentos e avanços. A evolução da medicina é dependente da incorporação de novas ideias e tecnologias propostas por pioneiros. Esses pioneiros muitas vezes são perseguidos antes de serem homenageados como visionários após suas “novas” ideias antes tão combatidas se tornarem um novo padrão. Arthur Schopenhauer, conhecido filósofo alemão do século 19, dizia que toda a verdade passa por três estágios. Primeiro, é ridicularizada. Em segundo lugar, é violentamente contrariada. Terceiro, é aceita como evidente. Esta realidade tem se repetido ao longo da história da medicina e da cirurgia. Quando da implantação de uma nova tecnologia ou técnica cirúrgica, existem os inovadores ou pioneiros (2,5%), os seguidores iniciais (13,5%), a maioria inicial (34%), a maioria tardia (34%) e os retardatários atrasados (16%).
No que se refere a videolaparoscopia no Brasil posso me colocar no segundo grupo. Porém, mais de 30 anos depois, vejo que sofri como os pioneiros a resistência da comunidade cirúrgica a introdução de um novo método que acabaria por virar de cabeça para baixo o mundo da cirurgia. E para sempre! Mas, valeu muito o esforço para poder oferecer aos pacientes procedimentos cirúrgicos muito menos invasivos. E valeu muito o esforço de buscar, incorporar e desenvolver técnicas pedagógicas e de simulação, métodos de treinamento em videolaparoscopia para formar, nos últimos 27 anos, mais de uma geração de cirurgiões brasileiros.
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