por Prof. Dr. Miguel Nácul
No dia 25 de julho de 1990, a revista Veja publicou nota sobre uma "cirurgia sem cortes" realizada no Hospital Albert Einstein em São Paulo, SP. Publicada uma semana após o dia da cirurgia (terça-feira, dia 17 de julho), a pequena nota descreve a primeira colecistectomia por videolaparoscopia realizada no país. A equipe foi composta pelo Dr. Thomas Szego, Dr. Caio Parente Barbosa, Dr. Sergio Roll, Dr. Eduardo Werebe e Dr. Juan Miguerez (anestesista).
Uma transmissão ao vivo no último dia 17 de julho pela rede social do Instagram recordou esse momento muito importante da cirurgia brasileira: os trinta anos da primeira colecistectomia por videolaparoscopia, marco inicial da era videolaparoscópica no país. Durante o bate-papo, Thomas Szego e Sergio Roll relembraram com emoção e bom humor diversas nuances e bastidores desta história.
Em 12 de setembro de 1985, o cirurgião alemão Erich Mühe de Böblingen, Alemanha executou a primeira colecistectomia por laparoscopia. Dois anos após, o cirurgião francês, Phillipe Mouret (Lyon) realizou a primeira colecistectomia laparoscópica com auxílio de uma vídeo-câmera, procedimento considerado por muitos anos como símbolo da ascensão da videolaparoscopia no mundo.
Os pioneiros demoraram alguns anos para apresentar o procedimento perante sociedades científicas. Quando o fizeram, foram recebidos com ceticismo e descrédito, como Mühe em 1986 perante a Sociedade Cirúrgica Alemã em seu Congresso anual. Os franceses esperaram mais de dois anos para finalmente mostrarem sua experiência para a demais cirurgiões franceses.
No Brasil, a videolaparoscopia era praticamente desconhecida. Ao ler sobre o assunto, Thomas resolveu ir atrás de conhecimento. Inicialmente, tentou viabilizar uma ida à França que não se concretizou. Então conseguiu oportunidade de visitar as Universidades de Maryland e John Hopkins em Baltimore, EUA. Na época, os cirurgiões Thomas Gadacz e Mark Talamini, do Hospital da Universidade John Hopkins, já haviam operado cerca de 80 colecistectomias por videolaparoscopia.
Auxiliado financeiramente pelo seu pai, Thomas embarcou com muitas dúvidas e uma certeza: se ele necessitasse operar a sua própria vesícula biliar, queria uma grande e bela incisão no abdome! Bastou uma semana acompanhando o trabalho dos cirurgiões americanos para Thomas mudar completamente a sua visão. Retornou ao Brasil convicto que a melhor opção era a via videolaparoscópica.
Logo ao chegar ao Brasil, Thomas marcou a primeira cirurgia. Ele conseguiu o fundamental apoio da direção do Hospital Albert Einstein que o autorizou a realizar algumas cirurgias sem custo para os pacientes. A primeira paciente, portadora de colelitíase sintomática, foi uma funcionária do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de São Paulo (HC), onde Thomas trabalhava como médico contratado.
Thomas vinha acompanhando os ginecologistas Caio Parente Barbosa e Claudio Bausbaun que possuíam grande experiência em laparoscopia ginecológica e já realizavam videolaparoscopias com a utilização da inovadora “torre de vídeo” e sua microcâmera da empresa alemã Karl Storz. Sua representante no Brasil, a H. Strattner ofereceu importante apoio técnico e instrumental naquele momento. Obviamente que Thomas possuía poucas horas de treinamento prático em simulação cirúrgica, inexistente no Brasil e ainda pouco disponível mesmo no exterior.
O maior receio de Thomas era o acesso inicial à cavidade abdominal e, neste sentido, Caio Parente Barbosa auxiliou muito com sua experiência prévia. Ele também participou do procedimento cirúrgico. A cirurgia foi longa, com quase três horas de duração, mas muito bem sucedido, sem intercorrências. Obviamente, o evento gerou reações negativas de alguns colegas dentro do Hospital Albert Einstein, inclusive com tentativas de criminalização e publicação de matérias negativas na imprensa. Mas o apoio da direção do Hospital Albert Einstein (e os bons resultados das cirurgias) seguraram a esperada onda negativa de colegas reacionários. Já no HC, o chefe do Serviço de Cirurgia pediu a demissão de Thomas. O problema foi contornado e um ano depois foi criado o Serviço de Cirurgia Videolaparoscópica do HC com a coordenação do... Chefe do Serviço de Cirurgia. E com a participação de Thomas. Thomas relata que nas primeiras cirurgias muitos colegas acompanhavam as cirurgias de dentro da sala cirúrgica.
Em agosto de 1990, durante o Congresso Internacional de Cirurgia em São Paulo, SP, Thomas teve a oportunidade de apresentar o vídeo desta sua primeira colecistectomia videolaparoscópica em uma sessão de vídeo livres. Sessão esvaziada, mas com a presença ilustre de Barry McKernan, primeiro cirurgião americano a realizar uma colecistectomia por videolaparoscopia (junho de 1988). José Verbicário Carin de Nova Friburgo, RJ, um dos pioneiros da videolaparoscopia no Estado do Rio de Janeiro (com o Dr. Osmar Creuz - trouxeram juntos da Alemanha a primeira torre de vídeo, pessoalmente!) “descobriu” a nova técnica neste dia, nesta sessão. Carin buscava uma sala escura e quieta para dormir após o almoço e, sem querer, acabou na sessão de vídeos livres! Outro divertido fato é que a primeira microcâmera que Thomas utilizava para as cirurgias esquentava muito, apagando com frequência durante os procedimentos. A equipe tinha que esperar a microcâmera esfriar para retornar a operar. Para resolver o problema, gelo era colocado em cima do equipamento para resfriá-lo.
Em outubro de 1990, Thomas e seu grupo organizaram o primeiro curso teórico com cirurgias ao vivo no Hospital Albert Einstein. Durante o curso, Thomas pediu autorização à uma das pacientes operadas para que fosse entrevistada pelos colegas. Chegando lá, ao ser inicialmente perguntada como se sentia, a paciente falou que estava com muita dor! Foi um choque! No entanto, a seguir ela completou: estava com muita dor... na mão onde havia sido colocado o acesso venoso! No abdome, nada! O primeiro curso prático com videocirurgia experimental em suínos vivos ocorreu no HC em 1991. Mark Talamini veio de Baltimore para este curso. Thomas conta que no almoço foi servido ao eminente convidado internacional uma bela feijoada rica em pedaços de porco! Gafe total!
Thomas, assim como Sergio Roll, participaram em julho de 1991 da fundação da Sociedade Brasileira de Videocirurgia (SOBRACIL), hoje renomeada Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica. Neste ano, a SOBRACIL realizou o seu primeiro congresso nacional no Hotel Transamérica em São Paulo, SP. Em 1992 foi a vez da fundação da Associação Latino-Americana de Cirurgia Endoscópica (ALACE). 1993 foi o ano da realização do primeiro Simpósio Internacional de Cirurgia Videolaparoscópica em Porto Alegre, RS com a participação de diversos cirurgiões estrangeiros. Um ano depois, a SOBRACIL organizou seu segundo congresso nacional no Hotel Nacional na cidade do Rio de Janeiro, RJ. Thomas criou em 1992 um dos primeiros cursos teórico-práticos continuados em cirurgia videolaparoscópica do país no Hospital Jaraguá em São Paulo, SP.
Não há dúvidas que o perfil pessoal e profissional de Thomas Szego e sua sólida formação docente, além de bom senso, conhecimento e determinação, foram fundamentais para a disseminação e desenvolvimento da cirurgia videolaparoscópica no Brasil. Thomas viajou muito por todo país para cirurgias demonstrativas. Em Antônio Prado, pequena cidade da serra gaúcha, foi homenageado com a deferência do seu nome para o bloco cirúrgico! Após uma hora de uma conversa recheada de emoção, humor e lembranças, Thomas concluiu constatando que questões éticas que envolvem a prática profissional nos dias de hoje, muito mais rígidas, talvez configurassem barreira de difícil superação para o desenvolvimento da videolaparoscopia. Thomas Szego e Sergio Roll iniciaram a pavimentar o (longo) caminho que nós, cirurgiões brasileiros, seguimos para alcançar este momento atual de ampla, segura e efetiva utilização da videocirurgia na nossa prática profissional. Nosso agradecimento sincero e admiração aos mestres que tiveram a mente aberta, coragem e decisão necessárias para iniciar a era videolaparoscópica no Brasil!
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